18 de jun. de 2013

AS RUAS EM REDES

Complexidade. Com essa palavra o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, definiu as recentes manifestações que eclodiram em boa parte das capitais brasileiras nas últimas semanas. É realmente cedo para uma análise mais profunda e precisa do significado desses atos públicos, como reconhece não somente o ministro, mas boa parte dos analistas políticos. Em todo caso, algo está começando. Pode caminhar para mudanças efetivas, mesmo que seja apenas o desengessamento da população, que começa a transição das baias das redes sociais para as ruas, mas também pode perder força, se tornar inócuo e até mesmo oportunista, caso o discurso tome o caminho de uma “ação despolitizante”, como alerta o blog Café com Nata.

Não há manifestação, dentro de um processo democrático, que não tenha (e precise) de lideranças, de governos, no sentido mais próprio do termo. Em algum ponto, decisões terão de ser tomadas para que esse movimento não se perca, erigindo objetivos claros e bem definidos, o que inclui, necessariamente, a presença e a participação direta de atores sociais, figuras notórias com apelo popular ou, ao menos, com propostas em consonância com uma (possível) maioria. Apesar de contundente, dentro desse processo, o momento ainda é incipiente, visto que partilham de um mesmo espaço e de uma mesma necessidade de verbalização, representantes de diversos extratos da sociedade, pessoas com as mais variadas demandas, muitas dessas mutuamente excludentes, caso viessem a ser contrapostas.

O que equaliza essas diversas vozes, que em certa medida ajudam a dar um tom muitas vezes esquizofrênico às verborragias encontradas nas redes, e promove a construção de um cenário oportuno, um ponto onde se tangenciam múltiplos discursos, é a necessidade de ressignificação do papel político da sociedade, das entidades e indivíduos que de maneira pusilânime começavam a virar uma massa amorfa, segundo uma ótica virtual míope. Diante de mecanismos tecnológicos que estimulam a reprodução de banalidades e alienações cotidianas, mas em contrapartida também se propõem a democratizar o conhecimento e ampliar o escopo participativo, não é difícil encontrarmos motivos para assinarmos uma petição online qualquer e deixarmos as manifestações práticas aos nossos vizinhos de prédio, de bairro, de IP. É cômodo e compreensível, afinal, o tempo urge e somos constantemente solicitados a responder aos compromissos diante da família, dos amigos, do Estado.

Entretanto, cada um sabe onde seu calo aperta – e o calçado está fechado, sufocado, constringindo e constrangendo toda a oxigenação necessária para a boa vida, para a manutenção do orgulho de ser quem somos, para o amadurecimento crítico de nosso papel político e para o reconhecimento de nós mesmos enquanto outros, isto é, uma nação. A ressignificação do nosso papel, dos nossos valores, o tal denominador comum por onde a teia de necessidades se toca e se faz, ao menos nesse momento, unívoca, encontra na insatisfação, na descrença nos partidos políticos e seus representantes, no repúdio à corrupção endêmica, que parece preencher todas as esferas da sociedade, uma oportunidade para se consumar.

Essa certamente foi uma lição que se pôde apreender: a internet pode ser mais que um espaço para download de músicas, compras coletivas e fonte de informações, muitas vezes questionáveis. Ela também pode (e deve) servir para desinstalarmos nossos valores morais e partirmos para questionamentos éticos acerca destes. As redes sociais existem para que possamos sair delas, desenredando-nos e abandonando nossos casulos hermeticamente fechados dentro de uma criptografia ou código qualquer, e tomando os espaços públicos para debater sobre nós, nossas aflições, desejos e idéias.

É tempo de levantarmos a bandeira de todas as bandeiras, não perdendo o foco de que a luta é de todos, e se é de todos, não podemos permitir que as diferenças sejam o estopim de ações isoladas, como os atos de vandalismo, o abuso das forças policiais ou mesmo a cisão e a marginalização de grupos que pacificamente estendem suas bandeiras particulares. Não podemos nos iludir e nem ser ingênuos: justamente por conta de a democracia estar fraquejando é que precisamos dela. E democracia é se permitir compreender o outro em toda a sua alteridade, por mais estranha que esta possa parecer.

Continuemos a nos manifestar nas redes para que as ruas se tornem palco, não de leviandades, não somente de protestos pela redução das tarifas de ônibus, mas de momentos históricos que perseverem, redimensionem e nos ajudem a ordenar o progresso de um Brasil que queremos (re)construir.



Observação: Este blog, visando um mínimo de responsabilidade crítica, ética, democrática e política é totalmente contra o discurso pró-impeachment que está começando a ser construído.  

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