15 de ago. de 2013

UMA NOTA FORA DO TOM


Seria risível, não fosse trágico. A nota publicada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro na última quarta-feira, 14 de agosto de 2013, revela mais do que aparenta. Comecemos, então, pelo princípio: “A liberdade de imprensa corre perigo”. Bem, caros colegas, a liberdade de imprensa corre perigo há muito mais tempo, desde que foi absorvida pelo modus operandi da indústria do espetáculo, desde que passou a ser pautada por interesses de mercado.

Dito isso, a situação não está “grave para os jornalistas que tentam cobrir as manifestações de rua”. A situação está grave para quem defende uma prática de jornalismo que ao longo de décadas se assumiu como um poder, escondendo-se em condutas arrogantes e imiscuindo-se ao suprassumo da corrupção. A situação está grave para quem espera – ou ainda acredita em - uma cobertura isenta por parte dos conglomerados bilionários da comunicação, que têm ao seu dispor tecnologias, contingente e meios intermináveis para agir com seriedade, mas recebe dentro da própria casa um jornalismo raso, que desinforma, conforma e deturpa os acontecimentos.

Por isso, o “pequeno grupo de fascistas” que passou a intimidar as “equipes de jornalismo” somente o fazem contra os que defendem essa imprensa de mercado, contra os que se dizem porta-vozes da sociedade, mas que ignoram um simples fato: a insatisfação da sociedade com a própria imprensa. Sim, porque não é somente um “grupo de fascistas”, caros colegas, que abomina essa prática de jornalismo que vocês defendem. Não são somente eles que estão insatisfeitos com certos grupos da mídia, mas grande parte da sociedade que vocês tanto conclamam.

Quem não veste essa camisa, quem tenta se libertar das amarras que vocês, empresários e cães de guarda do setor, construíram, está fazendo jornalismo sem nenhum tipo de constrangimento. Exemplos são vários, basta pesquisar na rede, basta ir às manifestações. Todo tipo de violência é reprovável, seja ela física ou moral. Sem peripécias metonímicas, portanto. Não tomem a parte pelo todo, por favor. Não transformem casos isolados em um ataque contra a democracia. O ataque é contra essa maneira estúpida, míope e maniqueísta de se fazer jornalismo. A violência também parte daí, não contra o “pequeno grupo fascista”, mas contra um outro jornalismo; oxigenado, combativo e útil.

É preciso, sim, “que outras vozes se levantem contra tamanho absurdo”. Que se levantem também a favor de uma nova prática de imprensa. Que seja de Direita, que seja de Esquerda, de Centro, que seja Ninja, da puta-que-o-pariu. Mas que seja honesta, que se assuma em sua ideologia. Que saia agora do Véu de Maya.

Não se iludam, caros colegas do Sindicato, colegas de profissão. Não se façam de vítimas, pois não cola mais. Para usar um termo bem atual, para haver adequação entre o que vou dizer e o vocabulário que vemos tanto nos impressos e na TV, anotem aí: Vocês não nos representam!  Nem os jornalistas e nem a sociedade.


19 de jul. de 2013

21 de jun. de 2013

ACAMPAMENTO NO DESERTO

“Dê aos jovens a esperança ou a ocasião de um massacre e eles lhe seguiram cegamente” (Emil Cioran)


Gostaria de discorrer rapidamente sobre três momentos distintos, fenômenos que se articulam e despontam em nosso no horizonte, corroborando com a tese de que discursos difusos têm alimentado a “revolta popular” e confundido o imaginário da sociedade como um todo: a apropriação do movimento pela mídia com a justificativa de unificar as milhares de vozes e seus respectivos anseios; a esquizofrenia popular, sua mixórdia de sentimentos e sua ausência de propostas claras, elementos de uma catarse coletiva que ajudam a embotar um movimento que acaba de nascer; a abordagem destrutiva de elementos isolados na condução das manifestações e uso desmedido de violência por parte das forças coercitivas do Estado, que não só dispersa a multidão, mas atinge equivocadamente pessoas e alas pacíficas do "movimento". Esses fenômenos unificados ajudam a dar um tom caótico ao momento.

Por isso, antes de mais nada, gostaria de realizar um deslocamento na epígrafe acima, a substituição de um termo, uma operação que pode parecer irrisória, mas que me parece necessária: dê aos juvenis a esperança... Com isso, quero dizer que o espírito jovem difere radicalmente do juvenil. Enquanto aquele carrega “um caos dentro de si”, podendo “dar à luz uma estrela bailarina”, para parafrasear o Zaratustra de Nietzsche, este apenas carrega o caos - e o carrega por tanto tempo, sem saber o que fazer com isso, sem saber como transformar esse caos, que o descarrega em sua forma mais elementar; a ignorância. Decorre daí que é um espírito jovem, não juvenil, matéria indispensável ao árduo processo de construção de um exercício político coerente com nossas pretensões de Brasil.

A jovialidade invectiva não tem sua dimensão numa realidade celerada, mas num espaço criativo, isto é, direcionado à criação e à fecundidade da maturação. Propostas imediatistas certamente não encontrarão terreno fértil nessa perspectiva, e até mesmo soarão infantis. Por isso, acredito ser imperativa a articulação imediata de representações, agremiações e/ou partidos, bem como o estabelecimento de propostas maduras que devem servir de norte para lutas subsequentes no campo do convencimento e da razoabilidade estimulante. Passam por aí o respeito ao próximo e ao direito deste em manifestar sua opinião.

Diante disso, não há espaço para a barbárie despertada por grupos com discursos perigosos, ufanistas com carinhas pintadas a cantarolar o hino; tão logo exigem a “não-violência” querem solapar o direito do grupo ao lado de defender seus ideais. Vale lembrar que foram posturas nacionalistas como essas que viabilizaram a chegada de Hitler e Mussolini ao poder no início do século passado. Bandeiras são levantadas a todos os momentos; algumas bradando a esmo contra a corrupção, um inimigo invisível que atinge a sociedade de maneira transversalizada, outras com coerência argumentativa, sugestões que visam a participação, a disposição coletiva.      
   
A grande imprensa (ou imprensa de mercado, como preferem alguns), por seu lado, insiste em confundir o cidadão com mensagens que vendem um suposto conhecimento sobre o objeto em questão; as manifestações. Revistas de qualidade duvidosa, como Época, já estampam capas convidando os leitores a descobrir quem são, o que pensam e quais as propostas dos jovens presentes nesses atos. Programas televisivos de amplo alcance, como Globo Repórter e Jornal Hoje, convocam os espectadores a assistir ao que foi desvendado pelas suas excelentes equipes de reportagem, a “verdade” sobre quem são e o que querem os manifestantes. 

Sites de notícia como o G1 divulgam as “últimas” pesquisas do Ibope, preparadas há dias, mas curiosamente apenas agora divulgadas, que apontam e associam `as manifestações, ainda que tacitamente, a queda repentina da presidente da república - sem fazer questão de mencionar que os dois últimos representantes que ocuparam o cargo, se comparados os mesmos períodos, estavam bem abaixo. Ora, “teatralidade e ilusão são armas poderosas para os não-iniciados” proferiu certa vez um personagem de ficção. Como convencer de algo que ainda nem chegou a ser, de que é, sem usar labirintos de palavras, artifícios verbais, falácias e construções discursivas obtusas?

O Brasil não “acordou agora"! Talvez nem tenha acordado ainda. Em vigília, quem sabe. A promoção de uma ideia como essa gera a falsa impressão de uma ruptura permeada por aquele imediatismo não salutar, como se problemas seculares que sequer são mencionados (reforma agrária?) fossem ser resolvidos agora. “O povo foi às ruas, disse não à corrupção, à impunidade, então está tudo resolvido” é o desdobramento natural desse recorte. A despeito das investidas nessa linha: o enredo é dramático e dificilmente teria um bom desfecho com uma trama tão rasa.

Paralelamente, mas não curiosamente, essa mesma “imprensa de mercado” não parece aprofundar-se nos excessos cometidos pela Polícia Militar, por exemplo, nas imediações da Avenida Presidente Vargas, foco da manifestação da última quinta, 20 de junho. Depoimentos dos mais diversos afirmam que o que se viu em lugares como Cinelândia e Lapa foi um show de horrores, uma série de desrespeitos aos direitos mais basilares do cidadão, um exemplo dos princípios de coerção do tal braço repressor do Estado. Num simulacro ao Estado de Direito, a ação orquestrada pelo governador do Rio de Janeiro colocou o Bope em ação, no encalço dos que voltavam pra casa, dos que aflitos seguiam em diáspora para o lar. Na tentativa de construir um cenário que simulava uma resposta aos atos de vandalismo ocorridos horas antes, distante dali, a “faca na caveira” surge como um símbolo da decrepitude de nosso tempo.

Em testemunho, o estudante Vitor Ribeiro resume o momento: “O choque sobe a rua de novo. Tiro em pessoas com as mãos para cima, bomba dentro do bar. Todos correm; eles passarão, e nós?”. A nós, restará talvez o opróbrio da situação. Combalidos, envergonhados, desapossados de nossas funções reflexivas, perplexos diante do que não poderia ser inevitável. Desnudados de nossa humanidade, isto é, de nossa importância, de nosso papel dentro do diálogo, estaremos atônitos. Já o estamos. Porém, é a partir do chão que nos movemos. Quando o cheiro da bosta se confunde ao da flor é que podemos fincar nossos “acampamentos no deserto”, construindo uma pátria que seja muitas e, como um mosaico de ideias, se torne pilar de uma realidade madura, porém jovial; verdadeira, porém múltipla; e combativa, porém serena.

“...(eu) era jovem e não podia admitir outras verdades que não as minhas, nem conceder ao adversário o direito de ter as suas, de gabar-se delas ou impô-las. Que os partidos pudessem enfrentar-se sem aniquilar-se era algo que ultrapassava minhas possibilidades de compreensão” (Emil Cioran, Carta a um amigo longínquo, 1957)


FOGOÁGUA - UM TESTEMUNHO NOTURNO DO RIO EM 20/06/2013


É simbólico que a trincheira carioca, um dos focos de conflito e onde a mão pesada do estado foi muito violenta na noite de ontem, tenha sido na Lapa, aquele restinho de Lapa que é quase Glória. Ali onde a maquiagem é borrada, onde o silicone é injetado, onde a maconha é palha e vendida a preço de pó — sob os olhos-punho-machado do estado – pro gringo tomando caipirinha na escada do selarón. A ação da polícia é política, como sempre é; agora ela ocorre aos olhos de todos, e não escondida em recônditos de favela donde não se vê redenção nem o redentor.

Se é pra realmente discutir a forma suja como as coisas são levadas nesta merda de cidade, vai começar do jeito que o país faz melhor, com muita porrada e covardia, e dessa vez na sala de visitas – não na cozinha e na senzala.

Perto do beco do rato um menino desce a rua de skate. Alheio, abandonado, feliz. A vida continua, não vai parar. O choque sobe a rua de novo. Tiro em pessoas com as mãos para cima, bomba dentro do bar. Todos correm; eles passarão, e nós? A vida volta: o rapaz tatuado volta a vender na sua barraca de bebidas, as pessoas conversam, riem, xingam, vendem maconha, se beijam.

Estou colado nos Arcos, cada pedra do sobrado que sobrou de tantos anos se transforma no que talvez tenha sido sempre: uma trincheira mal protegida dos açoites externos, da brutalidade dessa loucura real.

No princípio era o caos. Era tudo fogoágua, e ainda é.




por Vitor Ribeiro, estudante de comunicação, músico, poeta e meu primo

18 de jun. de 2013

AS RUAS EM REDES

Complexidade. Com essa palavra o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, definiu as recentes manifestações que eclodiram em boa parte das capitais brasileiras nas últimas semanas. É realmente cedo para uma análise mais profunda e precisa do significado desses atos públicos, como reconhece não somente o ministro, mas boa parte dos analistas políticos. Em todo caso, algo está começando. Pode caminhar para mudanças efetivas, mesmo que seja apenas o desengessamento da população, que começa a transição das baias das redes sociais para as ruas, mas também pode perder força, se tornar inócuo e até mesmo oportunista, caso o discurso tome o caminho de uma “ação despolitizante”, como alerta o blog Café com Nata.

Não há manifestação, dentro de um processo democrático, que não tenha (e precise) de lideranças, de governos, no sentido mais próprio do termo. Em algum ponto, decisões terão de ser tomadas para que esse movimento não se perca, erigindo objetivos claros e bem definidos, o que inclui, necessariamente, a presença e a participação direta de atores sociais, figuras notórias com apelo popular ou, ao menos, com propostas em consonância com uma (possível) maioria. Apesar de contundente, dentro desse processo, o momento ainda é incipiente, visto que partilham de um mesmo espaço e de uma mesma necessidade de verbalização, representantes de diversos extratos da sociedade, pessoas com as mais variadas demandas, muitas dessas mutuamente excludentes, caso viessem a ser contrapostas.

O que equaliza essas diversas vozes, que em certa medida ajudam a dar um tom muitas vezes esquizofrênico às verborragias encontradas nas redes, e promove a construção de um cenário oportuno, um ponto onde se tangenciam múltiplos discursos, é a necessidade de ressignificação do papel político da sociedade, das entidades e indivíduos que de maneira pusilânime começavam a virar uma massa amorfa, segundo uma ótica virtual míope. Diante de mecanismos tecnológicos que estimulam a reprodução de banalidades e alienações cotidianas, mas em contrapartida também se propõem a democratizar o conhecimento e ampliar o escopo participativo, não é difícil encontrarmos motivos para assinarmos uma petição online qualquer e deixarmos as manifestações práticas aos nossos vizinhos de prédio, de bairro, de IP. É cômodo e compreensível, afinal, o tempo urge e somos constantemente solicitados a responder aos compromissos diante da família, dos amigos, do Estado.

Entretanto, cada um sabe onde seu calo aperta – e o calçado está fechado, sufocado, constringindo e constrangendo toda a oxigenação necessária para a boa vida, para a manutenção do orgulho de ser quem somos, para o amadurecimento crítico de nosso papel político e para o reconhecimento de nós mesmos enquanto outros, isto é, uma nação. A ressignificação do nosso papel, dos nossos valores, o tal denominador comum por onde a teia de necessidades se toca e se faz, ao menos nesse momento, unívoca, encontra na insatisfação, na descrença nos partidos políticos e seus representantes, no repúdio à corrupção endêmica, que parece preencher todas as esferas da sociedade, uma oportunidade para se consumar.

Essa certamente foi uma lição que se pôde apreender: a internet pode ser mais que um espaço para download de músicas, compras coletivas e fonte de informações, muitas vezes questionáveis. Ela também pode (e deve) servir para desinstalarmos nossos valores morais e partirmos para questionamentos éticos acerca destes. As redes sociais existem para que possamos sair delas, desenredando-nos e abandonando nossos casulos hermeticamente fechados dentro de uma criptografia ou código qualquer, e tomando os espaços públicos para debater sobre nós, nossas aflições, desejos e idéias.

É tempo de levantarmos a bandeira de todas as bandeiras, não perdendo o foco de que a luta é de todos, e se é de todos, não podemos permitir que as diferenças sejam o estopim de ações isoladas, como os atos de vandalismo, o abuso das forças policiais ou mesmo a cisão e a marginalização de grupos que pacificamente estendem suas bandeiras particulares. Não podemos nos iludir e nem ser ingênuos: justamente por conta de a democracia estar fraquejando é que precisamos dela. E democracia é se permitir compreender o outro em toda a sua alteridade, por mais estranha que esta possa parecer.

Continuemos a nos manifestar nas redes para que as ruas se tornem palco, não de leviandades, não somente de protestos pela redução das tarifas de ônibus, mas de momentos históricos que perseverem, redimensionem e nos ajudem a ordenar o progresso de um Brasil que queremos (re)construir.



Observação: Este blog, visando um mínimo de responsabilidade crítica, ética, democrática e política é totalmente contra o discurso pró-impeachment que está começando a ser construído.