É simbólico que a trincheira carioca, um dos focos de
conflito e onde a mão pesada do estado foi muito violenta na noite de ontem,
tenha sido na Lapa, aquele restinho de Lapa que é quase Glória. Ali onde a
maquiagem é borrada, onde o silicone é injetado, onde a maconha é palha e
vendida a preço de pó — sob os olhos-punho-machado do estado – pro gringo tomando
caipirinha na escada do selarón. A ação da polícia é política, como sempre é;
agora ela ocorre aos olhos de todos, e não escondida em recônditos de favela
donde não se vê redenção nem o redentor.
Se é pra realmente discutir a forma suja como as coisas são
levadas nesta merda de cidade, vai começar do jeito que o país faz melhor, com
muita porrada e covardia, e dessa vez na sala de visitas – não na cozinha e na
senzala.
Perto do beco do rato um menino desce a rua de skate.
Alheio, abandonado, feliz. A vida continua, não vai parar. O choque sobe a rua
de novo. Tiro em pessoas com as mãos para cima, bomba dentro do bar. Todos
correm; eles passarão, e nós? A vida volta: o rapaz tatuado volta a vender na
sua barraca de bebidas, as pessoas conversam, riem, xingam, vendem maconha, se
beijam.
Estou colado nos Arcos, cada pedra do sobrado que sobrou de
tantos anos se transforma no que talvez tenha sido sempre: uma trincheira mal
protegida dos açoites externos, da brutalidade dessa loucura real.
No princípio era o caos. Era tudo fogoágua, e ainda é.
por Vitor Ribeiro, estudante de comunicação, músico, poeta e meu primo
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